Relato escrito em 1969. Sua
versão original em espanhol foi publicada somente em 24 de maio de 2008.
UM SONHO APAIXONADO
Por Lou Carrigan
Tradução: Anderson M. Capitão
Este modesto romancista deu à luz, ao longo de
mais de 300 obras (lembre-se: este relato é datado de 1969) a uma grande
quantidade de personagens durante os últimos dez anos. Houve de tudo: bons,
maus, bonitos, horrendos, assassinos, bondosos, ingênuos, astutos, gordos,
fracos, ruivos, morenos, chineses, malaios, negros, brancos, e recorrendo à
ficção científica, criei até seres de cor verde. Em 300 novelas, de fato, há
espaço para personagens de todos os tipos, classes, tamanhos e categorias. Dia
após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, minha máquina de
escrever lançou ao mundo centenas de páginas relatando aventuras...
Dentre tantos personagens que viveram os desejos
da minha mente cheia de fantasias, existe um que se destaca bem distante
dos demais: estou me referindo, naturalmente, a Brigitte.
Brigitte Montfort, codinome “Baby”, uma doce
garota que está domiciliada em Nova Iorque, no 27º andar do Edifício Crystal,
na Quinta Avenida, de frente para o Central Park. Neste ponto, pode parecer que
vou apresentar-lhes “Baby”, dizer como ela é, como pensa, o que ela faz na
vida, etc. Mas não. Não vou fazê-lo por duas razões bem convincentes: Primeira:
vocês que já conhecem “Baby” não necessitam que eu diga agora como ela é e a
que se dedica. Segunda: vocês que, até agora, não tinham ouvido falar dela, poderão
conhecê-la muito melhor lendo suas aventuras na Coleção ZZ7. Ocorre
simplesmente que para descrever “Baby” completamente, teria que encher mil
páginas, talvez mais. Em outras palavras, teria que expor aqui todas as suas
aventuras, o que certamente não é apropriado neste momento.
No entanto, eu não quero deixar totalmente
desorientados aqueles leitores que ainda não tiveram o prazer de conhecer minha
“Baby” e, por isso, vou descrevê-la em poucas palavras: seu cabelo é escuro,
comprido e levemente ondulado, um rosto doce com a boca rosada e grandes olhos
azuis e, finalmente, um corpo maravilhoso que desafia qualquer descrição,
inclusive as tentativas de uma raposa velha chamada Lou. Ela é jovem, mas
parece ser ainda mais. E, apesar disso, quando quer, pode aparentar uma senhora
de mais de setenta anos. Se ela tiver a mínima chance, ela poderá enganá-lo,
por mais astuto que você seja. Faça algo bom, algo digno de nota, e “Baby” certamente
aparecerá para recompensá-lo com um sorriso. Por outro lado, faça algo errado e
“Baby” vai partir seu coração... com uma faca. Minha pequena “Baby” é um ser...
normal. Ela é capaz de sentir o medo mais abjeto, assim como é capaz de ser
protagonista da mais heroica aventura; ela pode ser boa ou pode ser má; pode
amar e pode odiar; pode assassinar (sim, assassinar) e pode perdoar. Tudo
depende do seu oponente e não de si mesma.
Durante muitas de suas aventuras ela mostrou que
só se preocupa com uma coisa: paz. E por paz, devemos entender a verdade, a
honestidade, a bondade e a generosidade. Se você for realmente honesto, bondoso
e generoso, não há o que temer. Mas se for exatamente o contrário, tenha
convicção que, qualquer dia, a qualquer momento, minha “Baby” vai aparecer
diante de você e, talvez sorrindo docemente, quebrará seu crânio com um de seus
golpes de karatê. Ou, talvez, quebrará um de seus membros com um mata-leão. É
possível, porém, que ela resolva degolá-lo. Ou simplesmente matá-lo disparando
uma flecha envenenada com um sopro. Ou ainda com um pipoco bem no meio do coração. Mesmo
que você tente dificultar as coisas, ela pode estrangulá-lo com aquele
finíssimo arame que sempre carrega na cintura... Quem sabe como “Baby”
eliminará aqueles que não merecem viver?
A espionagem Soviética (e de alguns outros
países) oferece por “Baby” a quantia de um milhão de dólares (lembre-se que
este texto é de 1969). Você tem que pensar bem sobre isso: um milhão de
dólares. No entanto, é improvável que os russos um dia se sintam na obrigação
de pagar essa quantia porque eu garanto a vocês que “Baby” jamais será
capturada. Certamente não serei eu que a entregarei ao MVD. Além disso, ela tem
amigos russos que desprezam esse montante. Para esses russos, para esses
espiões soviéticos, a amizade da espiã do coração de ouro, do coração de gelo,
vale muito, muito mais do que uma pilha miserável de dólares. Quanto aos
espiões dos demais serviços secretos, tais como o francês, inglês, italiano,
sul-americano, asiático, etc., estes nunca trairiam “Baby” de nenhuma maneira,
seja qual fosse o valor oferecido. Provavelmente (e assim espero), ninguém jamais
trairá Brigitte Montfort. Pelo contrário, nos momentos de maior apuro, nas
situações mais difíceis, “Baby” sempre encontrará uma mão amiga para lhe
oferecer a mais inesperada ajuda.
Bem...
Acho que estou divagando demais.
Ao bem da verdade, se agora eu estou diante da
minha máquina de escrever (uma IBM elétrica de esfera substituível) é porque eu
tenho que contar uma pequena aventura de “Baby”, em cujo final minha querida
espiã enviará uma saudação muito afetuosa a todos seus queridos leitores.
Uma pequena aventura...
Neste momento minha cansada imaginação pede trégua,
exige descanso. Vejo da grande janela do meu escritório os raios de sol de
inverno que caem como ouro em pó sobre as rochas que estão próximas à pequena
aldeia em que vivo junto ao mar. O Atlântico está azul, verde e cinza. Como
sempre, algumas das minhas amigas gaivotas passam sobre minha casinha branca,
vermelha e verde, com suas belas asas estendidas. A espuma é muito branca sobre
o triste mar de inverno ensolarado.
Vou-lhes descrever como é meu escritório, este
lugar muito pessoal onde me isolo do mundo para escrever as minhas fantasias.
Não é muito grande, mas é bem confortável. Vamos ver... Minha mesa está diante
de uma janela, para qual dou as costas de modo que a luz natural caia sempre no
teclado de minha máquina de escrever. À frente, um tapete adornado e logo depois
um sofá e duas poltronas, por trás disso, algumas fotos, todas elas representando
o mar. À minha direita, um pequeno armário onde guardo todo o material de
documentação: mapas do mundo todo, mapas de cidades, rotas de viagem mais
interessantes, desenhos e modelos de aviões, de carros de combate, de armas,
etc. Mapas grandes e antigos, muito dobrados, de todas as partes do mundo:
China, Áustria, Brasil, Estados Unidos, Rússia, Nepal, Espanha, Cuba, Egito,
Islândia, Austrália, Groenlândia. Mapas e mais mapas para que minha memória
possa recorrer aos mesmos em determinado momento. Mapas de estradas, ferrovias,
companhias aéreas, barragens.
Então o bar. E ao lado dele, um refrigerador.
Enquanto trabalho, bebo qualquer coisa e fumo sem parar. Se você me vir na rua,
não me ofereça um cigarro, obrigado. Mas se vier enquanto estou trabalhando, me
verá cercado de fumaça. Não tenho grandes predileções, mas prefiro o tabaco
negro. E para beber, ainda que não sou exigente, estas são as minhas preferências:
vinho espanhol, conhaque, vodka, uísque, rum, gin... na ordem acima, é claro.
Mas continuemos sobre meu escritório: à esquerda, uma estante bastante volumosa. Livros de todos os tipos, absolutamente de todos. De
revistas francesas com conteúdo altamente informativo sobre anatomia feminina a
livros de criminologia e espionagem, passando pela Bíblia, dicionários de
vários idiomas, um curso de desenho artístico, enciclopédias... e, claro, há um
gravador e um hi-fi nos quais, às vezes, ouço música para descongestionar minha
mente e sentir-se calmo, relaxado... Há, também, um par de grandes vasos com
plantas verdes que parecem querer escalar as paredes. E uma grande placa de
madeira forrada com veludo vermelho, na qual prendi as capas de alguns de meus
livros, pois meu editor foi bastante gentil em enviá-las. Naturalmente, as
capas não fui eu quem as fez e sim esses magníficos ilustradores que vocês
conhecem tão bem. E, finalmente, alguns outros pequenos detalhes de menor
importância: mais quadros, algumas armas, uma vara de pesca, um tridente,
revistas, jornais em várias línguas... O corriqueiro.
Pois bem, nesse lugar que mal acabei de
descrever é onde imagino as aventuras de “Baby”. E com a chegada dessa data
universal (estamos próximos ao Natal), sinto-me obrigado a escrever uma pequena
aventura.
E eu me pergunto: o que eu posso escrever?
Porque, indiscutivelmente, para “Baby” não há aventura pequena. Pelo menos não
houve até agora. Eu já a enviei a todas as partes do mundo. Ela já esteve em Hong
Kong, em Benares, em Miami, Buenos Aires, Roma, Nice, Casablanca, Moscou,
Alasca, Polo Sul, e até em profundidades abissais no espaço.
Não muito tempo atrás estava no Rio de Janeiro.
Lembram-se disso?
Então meu dilema é simples: onde posso enviar
minha “Baby” este ano para viver uma pequena aventura? À China? Londres?
Atenas? À...?
Desculpem-me por bocejar, mas estou com um sono
terrível. A verdade é que eu estou com tanto... tanto sono... que o melhor que
a fazer é... fazer uma pausa e descansar um pouco.
Não gosto de ser incomodado enquanto estou
trabalhando, mas tenho por regra atender a todos que batem à minha porta. Por
isso, foi só ouvir o som da campainha, fui ver quem era. Confesso que não de
bom humor. Na minha cabeça, o mundo dava voltas e mais voltas perguntando-me
onde poderia enviar “Baby” desta vez.
Abri a porta franzindo o cenho e com uma
expressão definitivamente carrancuda, essa que normalmente já não é simpática.
- Diga o que você quer... - comecei a rosnar.
Era como se um raio tivesse acertado em cheio o
meu cérebro, queimando-o, inutilizando-o. Estupefato, boquiaberto, atordoado,
incrédulo, perplexo... Diante de mim uma garota de longos cabelos negros
suavemente ondulados e de olhos azuis como o céu de verão. Usava um lindo
vestido de noite de tom roxo. Era linda como um sonho incrível. Magnífica,
maravilhosa, perfeita. Levava na mão esquerda uma maletinha vermelha com flores
azuis estampadas; sua doce e esbelta silhueta contrastava com a cor do mar e
sobressaia entre as palmeiras e as flores. Em seus olhos havia um brilho
encantador, talvez um pouco tímido. Ela limitava-se a sorrir, olhando-me de uma
maneira afetuosa, terna e amorosa.
- Baby – sussurrei. - É você, Baby?
- Sim, Papa Lou. Mas penso que seja uma má hora,
não?
- Po-pois... Não... Claro que não...
Falava como um tolo, mas garanto que não sou.
Nem estúpido e nem gago. Mas você consegue imaginar um escritor recebendo a
visita do mais querido de seus personagens?
- Então, posso entrar? - ela perguntou.
- Sim... Sim... Naturalmente!
Eu me afastei um pouco e Brigitte entrou na
minha casa com decisão, indo direto para o escritório. Quando entrei, ela
estava ao lado da máquina de escrever, lendo a página na qual estava
escrevendo. Ela olhou para mim, sorriu e disse:
- Onde é que você vai me enviar desta vez?
- Bem, não... Eu não decidi ainda.
- Entendo - disse ela.
Fitava a rosa vermelha que levava em seu
vestido, sobre o seio esquerdo. Ela percebeu meu olhar, inclinou a cabeça e
sorriu novamente.
- Espero que não se surpreenda vendo-me com uma
rosa vermelha.
- Não... Claro que não. Sei que elas são suas favoritas.
- Você sabe porque foi assim que você decidiu,
Papa Lou.
- Certamente. Mas se você não gosta de rosas
vermelhas...
- Oh, sim... Eu gosto. Gosto muito, de verdade.
Estava recuperando-me rapidamente do meu
espanto. Sentei-me no sofá de trabalho e acendi um cigarro. Então percebi que “Baby”
me olhava com uma amável reprovação. Imediatamente dei-lhe meu cigarro
recém aceso e peguei outro para mim. Ela caminhou até a janela e permaneceu
algum tempo contemplando o mar, as palmeiras, as gaivotas...
- Você... Quer beber alguma coisa? - ofereci.
- O que você quiser, Papa Lou.
Eu ainda estava surpreso. Mas tive a presença de
espírito para dirigir-me até a geladeira sorrindo. Eu a abri e fiquei
observando a única garrafa de champanhe velho que havia lá dentro. Havia muitas
outras coisas, mas apenas uma garrafa de champanhe. Uma atitude romântica e
sentimental da minha parte: a garrafa era de Dom Pérignon safra 55. Fazia pelo
menos quatro anos que estava ali, gelada e esquecida, igual a um pequeno pote
de vidro cheio de cerejas vermelhas em calda. Babaquices de novelista, mas se
em todas as minhas novelas “Baby” gostava desse champanhe com cerejas
vermelhas, pareceu-me que eu deveria ter disponível ambos os produtos.
- Champanhe com cerejas? - murmurei.
- Oh, sim! Adoraria! Eu... Bem... Importa-se que
te chame de Papa Lou?
- Por que eu deveria me importar?
- Você é jovem... Parece um pouco cansado e nota-se
você não faz suficiente exercício físico...
- Eu sou faixa preta de judô. - resmunguei.
- Não é o suficiente.
- Para mim é. Afinal de contas, quem corre
riscos é você, não eu.
- É verdade. E agradeço tudo o que me obrigou a
aprender: capoeira, judô em grau mais alto que o seu, karatê, silat... Eu me
tornei uma menina invencível.
- A espiã mais divina e perigosa do mundo. -
sorriu. Espero que isso não a incomode.
- Não, não... Diga-me uma coisa: Quantos anos
você tem, Papa Lou?
- Trinta e quatro.
- Oh! - minha “Baby” começou a rir. - Que ótimo!
Na minha idade ter um pai de 34 anos é um pouco absurdo. Na verdade, quase
poderia me apaixonar por você.
- Bobagem - ri divertindo-me.
- Por quê te parece bobagem? Claro, desde logo
digo-lhe que você não é o que se chama de homem bonito. Não, você não é. Mas você
é simpático, apesar de seu gesto mal-humorado e ranzinza. E gosto dos seus
olhos, dessa cor... azul acinzentado bem claro. Parecem-me bem antipáticos
porque produzem a sensação de penetrar no cérebro, mas... Eu gosto. Você não é
bonito, mas eu gosto de você.
- Suponho que você goste mais do Número Um. -
sorri.
Estendi a taça de champanhe contendo uma cereja
vermelha, é claro. Ela provou e ficou me olhando de tal modo que eu percebi que
tudo estava perfeito.
- Sua bondade chegou ao extremo de conseguir-me
um agradável... e bom amigo. - meditou depois de beber.
- Um amigo? - sorri ironicamente. - Querida
filha, espero que você não tente enganar justamente a mim. Você ama o Número
Um.
- Se você disser que sim, é verdade, claro. –
sussurrou ela.
- Sem dúvida.
Ela tomou outro gole de champanhe, sem deixar de
observar-me.
- Papa Lou: Por que você me faz correr tantos
perigos?
- Há sempre alguém no mundo que vive
perigosamente.
- Mas... Por quê eu?
- Tenho pensado sobre isso muitas vezes. Parece
que a você, como o meu personagem mais querido...
-Obrigada, Papa Lou.
- ...deveria proporcionar-lhe outros tipos de
atuações nas minhas estórias. Poderia, por exemplo, ser uma rainha ou
imperatriz. No mínimo uma condessa ou algo parecido. Uma mulher muito bonita,
casada com um imperador, que lhe deu muitos filhos e que vive romanticamente,
feliz e tranquila, rodeada de servos fiéis, flores, amor e paz. Que tal?
- Me parece que não. - disse “Baby” franzindo a
testa e enrugando seu narizinho.
- Ah... Não gosta dessa ideia?
- Não muito. Mas é que você vai de um extremo a
outro. Ou Imperatriz, ou espiã ou assassina. Por que não um meio-termo?
- É impossível que esteja falando sério! -
exclamei.
- Vejo que você me conhece muito bem... - riu
deliciosamente - Mas, insisto, por quê tem que ser eu quem deve correr tantos
perigos?
- Tenho a explicação se quiser ouví-la.
- Claro que sim.
- Bem... Eu acho que a esta altura você já está mais
do que convencida de que o mundo está apodrecido. Realmente podre.
- Aceito isso.
- Então era necessário buscar alguém em quem
seja possível depositar um pouco de fé e de esperança na humanidade. Um herói.
- Mas você criou uma heroína: eu.
- Eu refleti cuidadosamente sobre esse assunto. A
princípio, como de rotina, pensei em criar um personagem masculino que saísse
mundo afora resolvendo os assuntos mais complexos. Mas eu cheguei à conclusão de
que um homem que mata é algo... infelizmente normal, sempre aceito pelas massas.
Portanto, se este meu personagem masculino matasse algumas pessoas, não
impressionaria ninguém. Com o passar do tempo, você foi brotando na minha
imaginação. Uma mulher... Parece ser mais horrível que seja uma mulher quem saia
pelo mundo eliminando personagens maus. Mais horrível e, ao mesmo tempo, mais
significativo.
- Mais significativo em que sentido?
- Bem... Parece que ao homem matar é normal. Mas
nem tanto às mulheres. Assim, se uma mulher decide matar, mesmo friamente, há
que se pensar que ela tem muito boas razões para isso. É um grande contraste:
uma doce garota assassinando homens. Qualquer um vai compreender imediatamente
que esses homens mereciam mil vezes a morte. Tem que ser assim para que uma jovenzinha
como você decida matar friamente. De certa forma, é um sinal de alarme para o
mundo: quão mal devem estar as coisas para que uma garota tenha que sair a
matar homens! Você me entende?
- Naturalmente. Não se esqueça que você me fez muito
inteligente. Mas diga-me uma coisa: tenho que continuar matando homens?
- No dia em que isso não for mais necessário, minha
filha, vou fazer de você a imperatriz de um belo e doce país, onde viverá feliz
o resto da sua vida, cercada pelo mar, palmeiras, gaivotas, crianças e pessoas
bondosas. Enquanto isso, com pesar, tenho que seguir enviando-a ao mundo todo
em missão de... limpeza. Não concorda com isso?
- Gostaria que as pessoas fossem boas, que
fossem melhores.
- Mas não são. Dei-lhe muitas oportunidades para
provar isso, Baby. Você tem que continuar a ser quem você é... Você deve ser
como uma bela esperança para as pessoas bondosas. Você tem que se manter na
frente de batalha, docinho.
- Mas até quando?
- Até que todos sejam bondosos. E até que mesmo esses
bondosos se cansem de você.
- E quando eles se cansarem de mim... me matará?
– murmurou.
- Não.
- O que você vai fazer comigo?
- Já lhe disse antes: fique tranquila, pois terá
o fim que merece.
“Baby” percebeu que eu não lhe diria mais nada. Estava
muito interessada no seu futuro, mas era astuta demais para insistir. Tomou
outro gole de champagne e continuou olhando para o mar azul, verde e cinza, bem
como para as gaivotas brancas.
- Papa Lou.
- Diga-me.
- Você estava escrevendo algo sobre mim?
- Sim. Tentava imaginar uma pequena aventura
natalícia.
- É necessário?
- É conveniente e correto que seus leitores recebam
uma saudação sua por ocasião das festas de fim de ano.
- E tenho que enviar essa saudação arriscando
minha própria vida ou matando alguém?
- Minha querida: uma mulher como você, de tanta
classe, tanto talento e tantas qualidades não pode simplesmente dizer "Boas
Festas". Isso é muito pouco.
- Papa Lou: você me ama?
Permanecemos nos olhando por algum tempo. A pergunta
tinha sua importância, sua razão de ser. “Baby” não costuma falar sem razão,
nem fazer perguntas idiotas.
- Bem... Eu te amo profundamente, Brigitte. Sim,
amo você de verdade. Pode parecer uma bobagem que um autor realmente declare um
amor tão profundo por um de seus personagens, e pensar longamente nele ou mesmo
sonhar com ele. Não ria, é verdade: algumas noites sonhei com você. Sim, sonhei
com você e o mais incrível é que durante esses sonhos veio à minha mente algumas
de suas aventuras. Às vezes, cansado de trabalhar, sento-me próximo à janela, fico
olhando seu rosto na capa de meus livros, e revigoro-me fitando seus olhos
azuis, sua boca rosada, sua doce expressão. Outras vezes, conversando com meus
amigos, eu a menciono como se fosse uma pessoa real, de carne e osso. Como está
sua “Baby”? - me perguntam. Então eu sorrio e lhes digo como você está e onde
você está: "Hoje eu a tenho em Cingapura, passando por um momento difícil
nas mãos de um malaio, um tal de Bota Gunong, que a está mantendo nua, açoitada
e acorrentada numa pocilga onde também estão duas dezenas de porcos famintos”.
- Eu me lembro disso. – sorriu Brigitte.
- Sim... Mas suponho que você não está muito
feliz com o tratamento que lhe dou.
- Você também me proporciona bons momentos. E considerando
que você realmente me ama, tudo bem, Papa Lou. A verdade é que estou... muito
feliz. Pensava que me considerava apenas mais um personagem da sua fantasia.
- Não é assim. Você é minha filha favorita.
- Bem... Acho que já está na hora de ir-me, Papa
Lou. Obrigado pela champagne... E por todo o seu carinho.
- Você merece ambos, sobretudo meu afeto. Você é
uma boa filha, Baby. Alguns personagens me deram alguns problemas. Você nunca,
nem um só. Queria que você fosse uma realidade e não uma ficção.
- Se eu fosse uma realidade, você deveria ter
alguns anos mais, Papa Lou – disse rindo. E eu não quero tornar-lhe um homem velho.
Estou indo. Voltarei outra hora, quando não estiver tão ocupado.
Permaneci olhando para ela fixamente. Finalmente,
sorri. “Baby” era muito inteligente, mas, obviamente, não mais do que Papa Lou.
- Por quê você realmente veio? - perguntei.
- Eu queria... pedir um favor. Mas já que você diz
me amar tanto, não é mais necessário.
- Que favor é esse?
- Se você realmente me ama, você vai saber. Gostaria
de te ver muito em breve, Papa Lou, porque eu... eu te amo com todo meu
coração.
E desapareceu como uma gaivota entre as nuvens
baixas sobre o mar.
Eu olhei para cima, de repente, assustado. Era
quase noite e pela janela do meu escritório entrava a luz avermelhada do pôr do
sol. O mar parecia de cor roxa, quase preta, e não havia nenhuma gaivota no céu,
já salpicado de estrelas com um tênue brilho. As palmeiras balançavam
suavemente, movendo suas palmas como braços que me acenavam.
- Baby... chamei.
Silêncio absoluto.
Eu arriei. Será que estava ficando louco? Amo “Baby”
de verdade, eu a amo mais do que a qualquer outro de meus personagens, falo sobre
ela com meus amigos, com meu editor... É verdade que às vezes sonho com ela e já
cheguei até mesmo a pensar que ela realmente existe. Mas, com certeza, achar
que ela havia me visitado era uma loucura completa.
Acendi a luz sobre minha mesa e estava olhando
para a página que estava na máquina de escrever. Nela, “Baby” estava em sérios
apuros... Como sempre. Sempre em apuros. E a pergunta surgiu em minha mente de
repente e quase de forma dolorosa: Será que Brigitte merecia a vida dura que eu
lhe impusera, estória após estória?
É verdade que deve haver alguém no mundo que se
dedique a limpá-lo de vermes, mas... por quê sempre minha “Baby”? Por acaso ela
era a única que não merecia um descanso no Natal?
O sonho que tive se reavivou na minha mente. Brigitte
disse que tinha vindo para pedir-me um favor, mas considerando que eu havia
assegurado que a amava, achou desnecessário pedir com clareza. Eu teria que
adivinhar qual era o pedido. Se eu realmente amasse “Baby”, teria que saber o
que ela queria.
E eu sabia.
Arranquei da máquina de escrever aquela página
em que minha amada espiã estava passando apuros, rasguei e joguei-a no lixo.
Estava convencido: “Baby” queria descansar alguns dias, viver um Natal doce e
tranquilo sem matar ninguém, sem correr riscos. E ela merecia. Merecia mais do
que qualquer pessoa no mundo. Foi isso que ela viera pedir em meu sonho... E eu,
Papa Lou, o concederia.
Me senti tão feliz naquele momento que decidi me
dar ao luxo de apreciar um bom trago de vinho espanhol. Levantei-me, fui ao
bar, toquei a garrafa... e subitamente me virei para a geladeira.
Por quê não? Realmente era uma excelente oportunidade
para beber um par de copos de Dom Pérignon 55 com uma cereja. Essa garrafa
estava lá há cerca de quatro anos... Muito tempo para manter seu sabor
autêntico, mas, enfim...
Enquanto caminhava até a geladeira percebi que
no canto da minha mesa de trabalho haviam dois copos de champanhe vazios.
Passei alguns segundos olhando para os mesmos, atordoado, sem entender. Estava
certo que não havia bebido champanhe e muito mais certo ainda de não ter recebido
convidados. Cheguei mais perto e notei que no cinzeiro haviam duas pontas de
cigarro, uma delas manchada de batom rosado.
Acho que empalideci. Rapidamente fui até a
geladeira, a abri com um puxão, estendi minha mão direita ao lugar onde,
durante quatro anos, mantive a garrafa de Dom Pérignon 55...
Mas a garrafa não estava lá.
No seu lugar havia uma rosa vermelha.
E um cartão cor-de-rosa que em um dos lados, com
uma letra elegante, graciosa, arredondada, estava escrito:
“Perdoe-me por levar a garrafa de champanhe, mas
você sabe o quanto eu gosto. Agradeço muitíssimo que me permita passar um Natal
tranquilo e peço-lhe que não se esqueça de felicitar nossos leitores, a quem envio
muitos, muitíssimos beijos. Com esta rosa vermelha, Papa Lou, deixo-lhe todo o
meu amor.
Te amo,
Baby”
Tradução do relato original publicado no sítio www.loucarrigan.com.
Foto de Lou Carrigan: Bolsi & Pulp
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